Teixeira de Pascoaes

No seguimento dos grandes pensadores portugueses e das profecias do V Imperio:
PASCOAES (TEIXEIRA DE) – Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, Amarante, 2.11.1877 – S. João de Gatão (Amarante), 14.12.1952. Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, proprietário e escritor, exerceu advocacia durante algum tempo mas dedicou se sobretudo à poesia, deixando publicada uma obra literária vasta e importante (Sempre, 1898; Terra Proibida, 1899; Vida Eterna, 1906; As Sombras, 1907; Senhora da Noite, 1909; Maranus, 1911; O Saudosismo, 1912; Regresso ao Paraíso, 1912; Elegias, 1913; O Doido e a Morte, 1913; Verbo Escuro, 1914; A Arte de ser Português, 1915; Elegia do Amor, 1924; Sonetos, 1925; Painel, 1935; O Homem Universal, 1937; Versos Pobres, 1949; Últimos Versos, 1953. Dirigiu a revista A Águia, orgão do movimento “Renascença Portuguesa”.
Uma das figuras mais proeminentes da literatura e da cultura portuguesas do século XX, Teixeira de Pascoaes (Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos) é estruturalmente um poeta-filósofo, mesmo quando se instaura como mentor do Saudosismo ou resvala da poesia para outros géneros literários, cujo hibridismo (de géneros e de linguagem) tem vindo a ser explorado pela crítica moderna. Nascido a 2 de novembro de 1877, em Amarante (Gatão), cursa Direito em Coimbra (1896-1901) e chega a exercer profissão, durante dez anos, no Porto, entregando-se depois, e até à data da sua morte (1952), à escrita, recolhido no solar cujo nome adotou (Pascoaes), no seio da paisagem da sua intimidade, o Marão e o Tâmega, que eleva, enquanto canto à Terra e à Natureza, em termos míticos e místicos, a uma figura integral do Mundo e do destino humano.

A sua estreia no parnaso português, numa procura de rumo entre as diversas tendências herdadas da viragem do século, não foi brilhante. Em 1895 publica a primeira obra poética, Embriões, que merece a crítica menos favorável de Guerra Junqueiro. Nas obras que imediatamente se seguem, Belo I (1896) e Belo II (1897) e À Minha Alma (1898), transparece já uma vivência original, que toma o Homem como centro e caminho de uma ascensão espiritual crescente, transformando o material em espiritual, a memória em sonho, o Real em Irreal, a presença corpórea em ausência saudosa. As coordenadas do seu universo imaginário, já imbuído do que mais tarde chamaria Saudade, estavam lançadas. Mas a sua consagração só seria alcançada com Sempre (1898), que simboliza o encontro do poeta consigo mesmo. Nesta obra estão já patentes traços que tornarão a sua poesia inconfundível: a fusão do subjetivo e do objetivo; o sentimento religioso das coisas, esse além que, num mesmo instante, se esconde e se revela nas sombras, nos fantasmas e nos espectros; o fascínio pelo mistério e pela substância enigmática de tudo o que o rodeia; a vocação mística, que tudo transforma.

Depois de Sempre, o seu ímpeto de criação parece imparável: surgem Terra Proibida (1900), À Ventura (1901), Jesus e Pã (1903), Para a Luz (1904), Vida Etérea (1906), As Sombras (1907),Senhora da Noite (1909), Marânus (1911) e Regresso ao Paraíso (1912), ou seja, grandes coletâneas de poesia, cuja redação acompanha a reformulação consecutiva da sua obra, em que refunde, amplia e transfere poemas, o que demonstra, contrariamente à visão tradicional que se possuía do poeta, uma atenção extrema pelo aperfeiçoamento formal da sua escrita. Um breve apontamento a algumas destas composições: Para a Luz, dedicado ao irmão que se suicidou, representa, pelos poemas de intuito realista e social que contém, um certo desvio a uma poesia vocacionada para a transcendência; Vida Etérea é, enquanto hino à harmonia cósmica e à procura ansiosa de Absoluto, considerado um dos melhores livros do poeta; As Sombras têm merecido destaque por mais tipicamente desenharem a atmosfera espiritual pascoaesiana; de Senhora da Noite afirma a crítica ter inspirado os dois “finais” de “Ode de Álvaro de Campos”; finalmente, em Jesus e Pã, destaca-se o pendor filosófico do poema, onde estão já presentes os princípios orientadores do Saudosismo como doutrina de restauração nacional, que consubstanciarão também Marânus e Regresso ao Paraíso. De fôlego e estrutura épica, estas duas obras exaltam a Saudade, embora o cunho nacionalista da primeira (a Saudade como deusa portuguesa da redenção) se veja, na segunda, amplificado a uma dimensão universal (a Saudade como valor humano mais perfeito que reconduzirá o Homem ao Paraíso).

Serão estes dois vetores da Saudade – o nacional e o universal – que ditarão a cruzada saudosista do poeta nas páginas d’A Águia, de que é o diretor artístico desde que esta revista se torna órgão da “Renascença Portuguesa” em 1912. Vulto maior desta Associação, transforma-se no teorizador, por excelência, da Saudade, nos seus aspetos políticos, filosóficos e estéticos, entendendo esta como sentimento-ideia caracterizador da fisionomia lusitana e motor do ressurgimento nacional, mas também, enquanto ideia, como criadora de tensões dinâmicas (Lembrança/Esperança, Passado/Futuro, Matéria/Espírito, etc.), nunca abandonadas por completo na sua obra posterior. Desta atividade, a que o seu nome ficou sempre ligado e que obscureceu, durante largos anos, a potencialidade estética da sua escrita, incluem-se textos e conferências como O Espírito Lusitano e o Saudosismo (1912), O Génio Português na sua Expressão Filosófica, Poética e Religiosa (1913), A Era Lusíada (1914), Arte de Ser Português (1915) e, já afastado da revista onde se mantém até 1917, Os Poetas Lusíadas (1919). Pela força da sua personalidade e pela grandeza da sua obra, reúne à sua volta, apesar da célebre polémica sobre a Saudade que, nas páginas d’A Águia, o opôs a António Sérgio, uma série de poetas de tendências afins, os chamados poetas saudosistas, de que se salientam aqui António Correia de Oliveira, Afonso Lopes Vieira, Afonso Duarte ou Mário Beirão.

Depois de Elegias (1912) e de O Doido e a Morte (1913), onde, com mais intensidade, a conceção filosófica se une ao lirismo emotivo, a edição de Verbo Escuro (1914) inaugura uma nova via de expressão, a da prosa poética. Prosa e verso passam a coexistir na obra do autor. Citem-se, por exemplo, O Bailado (1921) e O Pobre Tolo (1924), onde os aforismos invadem a tónica lírica da escrita, ou os Cantos Indecisos (1921) e os Cânticos (1925), ou, ainda, a versão, em elegia satírica, de O Pobre Tolo (1930). O acento lírico da prosa e o prosaísmo filosófico do verso tornam-se uma constante na obra de Pascoaes. Desta época, e ainda em verso, são o drama D. Carlos (1925), espécie de contrapanfleto da Pátria de Junqueiro – experiência teatral a que se junta a colaboração com Raul Brandão na tragicomédia Jesus Cristo em Lisboa (1924) –, Painel (1935), curiosa panorâmica de Portugal vislumbrada do Marão, Versos Pobres (1949) e Últimos Versos (1953). A Versos Brancos, de que ainda hoje se não conhece a totalidade das composições, referia-se Pascoaes já como “pensamentos metrificados”.

A partir, pois, de 1914, a prosa conquista terreno no panorama literário do autor, com grande variedade de géneros e de interesses, desembocando na redação de grandes biografias que lhe deram renome internacional. A Beira (Num Relâmpago), de 1916, é um livro de viagens que propicia a entrada no mundo imagético do autor – tal como acontece em Duplo Passeio (1942) –, onde cada pormenor avistado, paisagem ou gesta humana, é símbolo de uma realidade transcendente, desveladora do sentido mais íntimo das coisas; O Bailado (1921) constitui-se como, nas palavras de Pascoaes, “uma espécie de romaria”, viagem pelos “outros” na tentativa de construção de um “eu” simultaneamente individual e universal; O Pobre Tolo, de teor autocaricatural, dá conta do drama da existência humana na sua consciência de Ser e de não Ser ao mesmo tempo; o Livro de Memórias (1927), mais do que um documento histórico preciso, é uma anotação autobiográfica que prima pela reelaboração imposta pela memória, tal como acontece em Uma Fábula (o Advogado e o Poeta), de publicação póstuma em 1978.
Mas é em 1934 que Pascoaes envereda pelas biografias romanceadas que lhe abrem novos caminhos na perscrutação da alma humana. Todos os biografados são figuras relevantes na história espiritual do Homem ou são movidos por sentimentos ou ideias de alcance universal. Irrompem, assim, São Paulo (1934), São Jerónimo (1936), Napoleão (1940), O Penitente: Camilo Castelo Branco (1942) e Santo Agostinho (1945). Porque polémicas (sobretudo a primeira), as biografias contribuíram para chamar, mais uma vez, a atenção do nosso meio cultural para a obra de Pascoaes. Talvez por isso tenha o autor sentido a necessidade de esclarecer quer o seu pensamento poético, o que faz em O Homem Universal (1937), quer o seu conceito religioso, que explicita em A Minha Cartilha, escrita em 1951, mas só editada em 1954.

Duas obras de ficção narrativa marcam ainda a última fase do percurso vivencial do poeta: O Empecido (1950) e Dois Jornalistas (1951), onde, respetivamente, o tema da Saudade e o do Medo são tratados com uma ironia que mais realça o sentido da dúvida que se pretende inculcar como fonte dinamizadora do sentir e do pensar do Homem.

Herdando, pois, o neogarrettismo e o idealismo finissecular, este antipositivista e antinaturalista por definição (com ecos de Antero, Junqueiro, Gomes Leal, António Nobre e da poética simbolista do Vago e do Indefinido), Teixeira de Pascoaes cria algo de novo na literatura portuguesa com o seu universo imaginário virado para o mistério da alma, para a essência das coisas, para o paradoxo da existência em que tudo e o seu contrário se implicam numa amálgama inesperada, feita de antinomias que, conceptualmente, se harmonizam. Desligando-o do Saudosismo de escola, que, descontextualizado, passou a ser lido como sinónimo de nacionalismo reacionário, a crítica dos últimos vinte anos tem vindo a valorizar, no campo literário e no filosófico, inúmeros aspetos da modernidade de Pascoaes, quer pela conceção filosófica do Homem (ser imaginante e imaginário) como substância mesma da Realidade (Eduardo Lourenço), quer pela virtualidade da sua escrita, com aspetos ainda hoje surpreendentes. A publicação, em curso, da imensa obra de Teixeira de Pascoaes pela Assírio & Alvim, depois de ter ficado incompleto o projeto das suas Obras Completas (ed. de Jacinto do Prado Coelho) pela Livraria Bertrand, os numerosos estudos críticos entretanto surgidos e, até, a recente atenção pela sua obra plástica, revelam o interesse renovado na redescoberta de Pascoaes. Teixeira de Pascoaes, que usava como seu pseudónimo literário, pois seu nome completo era Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, faleceu em 14 de dezembro de 1952 na localidade amarantina de Gatão, com 75 anos de idade.

Comentários

  • Citações Famosas:
    Se Deus não fosse um absurdo, quem lhe ligaria importância ou acreditaria nele?
    O homem foge da sua sombra anterior para a sua luz futura.
    homem só é verdadeiro quando se julga incógnito. Se tem de representar a sua pessoa, a arte absorve-o e desvia-o do seu próprio ser.
    O homem é um castelo feito no ar. O que ele tem de não existente, é que lhe dá existência. O engano em que ele vive, é que lhe dá vida. Toda a realidade do seu corpo se firma na mentira da sua alma.
    O Português é indeciso e inquieto, como as nuvens em que as suas montanhas se continuam e as ondas em que as suas campinas se prolongam.
    O homem é feito de água. Seria uma estátua incolor e transparente, quase invisível, se não fosse a armação de pedra em que se firma e as várias imagens misteriosas reflectidas na sua superfície
    O infinito é ele menos o metro em que avultamos; a eternidade é ela menos a hora em que vivemos.
    O homem, antes de tudo, é poeta, por mais gordo ou adaptado à rotundidade planetária; e depois é pedagogo, aferidor de pesos e medidas, engenheiro, deputado e outras deformidades sociais.
    O segredo da nossa vida moral não reside na etérea consciência, mas nas profundas da inconsciência, onde rastejam a dissimulação, a crueldade, o medo e outras virtudes adquiridas nos combates.
    O que não aconteceu, nunca esteve para acontecer, e o que aconteceu, nunca esteve para não acontecer.
    Todos os gestos de um homem visam a Humanidade.
    Os animais são pessoas, como nós somos animais.
    Deus não está nos preceitos da Moral.
    O pecado é mais fecundo que a virtude.
    Agir é construir, destruindo.
    Não existimos mais que os nossos sonhos.

  • Gostei muito de ler este tópico apesar de não ser uma pessoa de cultura. Aprendi muito!

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