Portugal e Tailândia (Sião) 500 anos de amizade

Os dois países têm uma história de sorrisos que dura há cinco séculos. Fomos os primeiros europeus a lá chegar e ainda hoje há um pouco de nós presente em muito lado, o que dá sempre um belo motivo para iniciar uma viagem
O edifício branco, de arquitetura colonial, que se ergue na margem esquerda do Chao Phraya, na zona mais nobre de Banguecoque, aparece referenciado em todos os guias turísticos da capital da Tailândia, escritos em qualquer língua. Percebe-se porquê: é a embaixada mais antiga, fruto visível de uma amizade com cinco séculos entre Portugal e o antigo reino do Sião.

Desde fevereiro, o belo edifício ganhou um novo motivo de interesse: um mural, no muro contíguo à entrada da embaixada portuguesa em Banguecoque, picado por Vhils, reconhecido artista português de arte urbana, com a sua técnica habitual, em que faz aparecer rostos e olhares, capazes de surpreender o transeunte.

“O que Vhils procurou fazer foi mostrar a ligação entre Portugal e a Tailândia, no rosto das pessoas, nos olhos, na íris. 
É a visão de um mundo conectado, no qual a nossa história nacional tem protagonismo, ao trazer a Europa para a Ásia, ligando os dois continentes”, elogia Francisco Vaz Patto, embaixador de Portugal na Tailândia, o autor do convite ao artista para fazer este projeto único, em que a arte moderna ganha espaço num local reconhecido pela sua história.

A verdade é que existe, desde há muito, um respeito e uma admiração mútuas entre portugueses e tailandeses. “Portugal sente muito orgulho por isso, e os tailandeses também gostam de elogiar este relacionamento antigo que têm connosco, visível em tantos campos, como na gastronomia, na cultura e em algumas palavras”, sublinha o embaixador.

A relação entre os dois países remonta ao ano de 1511, quando Afonso de Albuquerque conquistou Malaca, território que prestava vassalagem ao reino do Sião. Para apaziguar os ânimos, o vice-rei da Índia enviou o emissário Duarte Fernandes à capital do reino, Ayutthaya, onde foi muito bem recebido. E não só não houve oposições à conquista como até foi “devolvido” um outro enviado diplomático para solidificar relações. Alguns anos mais tarde, 300 portugueses instalaram-se em Ayutthaya, e são estes que originam a comunidade luso-siamesa. Em 1538, o rei Prajairaja contratou 120 portugueses para a sua guarda pessoal e, desde então, as relações entre os dois países nunca se perderam. “A Tailândia é um país com uma longa história, um pouco como Portugal, ambos orgulhosos dela e das suas raízes. Todas as outras nações aqui à volta foram colónias, inglesas ou francesas, mas a Tailândia não e tem um grande orgulho nisso”, refere ainda o embaixador Francisco Vaz Patto.

O embaixador reconhece que “os dois países têm uma relação de amizade muito forte”, embora sem o fulgor comercial do passado: “As nossas relações em termos de comércio são relativamente reduzidas, mas acabámos de abrir uma delegação da AICEP [Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal] e espero que isso venha a mudar no futuro.”

Em 2018, celebram-se 500 anos do Primeiro Tratado de Amizade e Comércio celebrado entre os dois países, em parte responsável pela capital Ayutthaya se ter tornado uma próspera cidade de comércio, e em cerca de 1700 uma das maiores da Ásia, com perto de um milhão de habitantes. Mais tarde, a capital transferiu-se para Banguecoque, que é uma metrópole efervescente, centro de comércio e plataforma de negócio dos europeus para outros países asiáticos. E também um bom ponto de partida para começar a explorar a alma portuguesa que ainda se encontra visível na Tailândia – agora reforçada na obra de Vhils (26, Bush Lane Khwaeng Bang Rak):

Igreja de Santa Cruz

Uma das muitas igrejas católicas existentes na cidade, é exemplo de como as religiões convivem de forma pacífica no país desde longos anos. Construída em 1770, renovada várias vezes, a última das quais em 1916, é bem visível do rio e chegar ali depois de visitar tantos outros templos budistas em Banguecoque (há-os por todo o lado) é quase estranho, quando nos vemos rodeados de estátuas de Nossa Senhora e de Jesus Cristo. Percorra calmamente as ruas à volta, com os seus edifícios de marcada influência portuguesa da Comunidade de Kudichin, uma das maiores de descendentes luso-siameses.

Museu Baab Kudichin

Antiga casa de uma família católica, é um museu pequeno mas muito interessante no que diz respeito à história da presença de Portugal na Tailândia. Abriu há menos de um ano, fruto de investimento privado de uma família lusodescendente. No piso térreo encontra-se um café, no primeiro andar percorre-se a história da chegada dos portugueses e, no segundo, encontra-se mobiliário e objetos de decoração, dispostos como numa antiga casa tradicional portuguesa. Do terraço pode-se observar o rio e a Igreja de Santa Cruz. A proprietária Navinee Phongthai fala algumas palavras de português e refere os guisados e o cozido à portuguesa (com mais vegetais que o ‘nosso’) como os seus preferidos da nossa gastronomia, assim como a utilização do vinagre e dos cominhos como típicos temperos portugueses que ainda utiliza. “É bom sabermos que vimos dos portugueses e que temos estes laços”, diz-nos.

Ayutthaya

Na antiga capital, a algumas horas de carro de Banguecoque, encontram-se os Campos Portugueses, que terão sido a maior comunidade ocidental na cidade, com destaque para as ruínas das igrejas de São Pedro e de São Paulo. Na pequena capela existente hoje em dia estão as ossadas dos nossos antepassados.

Centro histórico de Phuket

Na maior ilha do país, o centro histórico da cidade de Phuket tem um bairro onde as construções demonstram a influência sino-portuguesa. Ao percorrer as ruas, descobrem-se lojas únicas. É interessante passear por aqui e encontrar pormenores arquitetónicos que nos são próximos e à primeira vista distantes da Ásia. O edifício do conhecido restaurante Blue Elephant merece uma visita e, como curiosidade, o restaurante Tu-Kab-Khao tem um interior cujo design é totalmente influenciado pela presença portuguesa.

Sobremesas de ovos

Na Tailândia, os fios de ovos chamam-se Foi Thong e são exatamente feitos como os nossos, com gemas de ovo a cair em calda de açúcar – nalguns sítios podem ser aromatizados com jasmim ou rosa, para adaptar aos paladares asiáticos. A Marie Guimar, descendente de pai português e mãe siamesa, é atribuída a introdução no século XVIII das sobremesas com açúcar e gemas de ovos.

Língua

Algumas palavras estão ligadas às nossas, como sala, que ao invés da nossa tradicional divisão é um pavilhão ao ar livre onde as pessoas se reúnem a conversar. Sabu é o nosso sabão. Mát-sa-yít, mesquita. E pão é simplesmente pao. Café e chá são ditos exatamente da mesma maneira, apesar de a sua origem ser atribuída mais à Índia, no caso deste último.

Fonte: Rita Machado, revista Visao

Comentários

  • Bem melhor que os tratados com os Saxões que sempre nos lixaram.

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