João Bemoin, um Príncipe Africano na Corte de Dom João II
"A 13 de Outubro de 1488 chegou a Setúbal a primeira embaixada de um reino africano subsariano recebida em Portugal, encabeçada por Boumi (príncipe) Dyélen Ndiaye, filho do Bourba (rei) Diolof Biram Ndieme Euler Ndiaye, do império Wolof (1350-1549), na África ocidental, situado onde é hoje o Senegal. Tudo leva a crer que, por diferentes razões, este governante havia sido deposto pelas elites desse império, num conflito sucessório, buscando em Portugal uma aliança que lhe garantisse um reforço militar para recuperar o seu trono.
D. João II, que estava instalado na Casa da Alfândega de Setúbal, ordenou que hospedassem o príncipe e o seu séquito no castelo de Palmela “com oferta de pannos ricos, finos e de qualidade” e fossem organizadas festas com touros e serões de danças. Dyélen foi servido “com pratas, oficiais e todos os cumprimentos [devidos] aos que teem semelhança de Estado”. Batizado com mais seis membros da sua comitiva, na Igreja de Sta. Maria da Graça em Setúbal, recebeu o nome cristão português de D. João Bemoin, numa cerimónia solene, tendo como padrinhos o rei D. João II, a rainha D. Leonor, o então Duque de Beja e futuro rei D. Manuel, o bispo de Tânger e o bispo de Ceuta, como oficiante do batismo. Poucos dias depois, o príncipe era armado cavaleiro pelo rei, tendo sido batizados, na mesma igreja, outros vinte e quatro membros da sua comitiva.
Este foi o primeiro governante africano (e muçulmano) convertido ao cristianismo (Lobato, 2011), mas conhecem-se outros casos semelhantes entre o século XV e XVI (Lowe, 2007; Lobato, 2011), nomeadamente D. Henrique (filho do rei do Congo, Mvemba-a-Nzinga, D. Afonso I após a conversão ao cristianismo) (Boxer, 1981). Estas conversões devem ser entendidas como estratégias políticas de ambos os lados num quadro de acelerada redefinição geopolítica mundial.
Para a coroa portuguesa, quanto mais soberanos/as e reinos africanos fossem convertidos por sua influência, maior a sua vantagem face a concorrentes europeus e islâmicos. Como referido à época, a propósito da conversão do príncipe Dyélen, o que começou por ser uma receção diplomática a um aliado político, tornou-se no acontecimento fundador da “grande fortuna de Portugal (…) de [ter] reis como vassalos” em troca de apoio militar e/ou político. Por outro lado, para as soberanias africanas a conversão significava uma aliança política com poderes europeus encontrando aí vantagem face a outros poderes políticos africanos e suporte perante outras investidas europeias e árabes nos seus territórios. A conversão de Dyélen Ndiaye faz parte, portanto, das profundas transformações que o século XV inaugurava no xadrez político-económico global."
No ano de 1489 , D. João II enviou uma expedição ao Senegal que , além de pretender restaurar no poder o príncipe negro, tinha o objetivo de estabelecer uma feitoria portuguesa na Foz do Rio Senegal reforçar a Fortaleza da Ilha de Goreia e no Arquim com a ajuda de missionários dominicanos.
Os planos de D. João II no Senegal foram frustados com o trágico Assassinato de João Bemoin pelo navegador português Pedro Vaz da Cunha ao chegar à foz do Rio Senegal.
João de Barros diz o seguinte sobre este episódio: "o que mais condenou à morte D. João Bemoin foi começar alguma gente adoecer por seu lugar, doentio que ele, Pero Vaz, mais temeu que a traição, como quem havia de ficar na fortaleza, depois que fosse feita" (Década I, Livro III, Capítulo VIII). Por este facto não mais foi chamado pela coroa para desempenhar qualquer outra missão.
O promissor comércio do rio Senegal foi-nos fechado, e os moradores da feitoria de S. Tiago, no começo do século XVI, tiveram o seu principal trato nos portos do reino de Budumel, particularmente na angra de Beseguiche, a leste do Cabo Manuel, à sombra da ilha de Goreia, num porto então chamado Porto de Gaspar, mudado mais tarde pelos franceses em Dakar. Por muitos anos ali viveram os filhos de João Bemoin, que mantiveram Brasão da Família até meados do Século Fonte:West Africa before the Colonial Era: A History to 1855. Basil Davidson/História da África negra, 2 vol, Europa-América, Mem Martins, 1972. Ki-Zerbo, Joseph
Texto de Daniel Jorge Marques Filho