O índio brasileiro que governou o império português
Alexandre de Gusmão, baptizado Alexandre Lourenço, nasceu em Santos, no Estado do Brasil, em 1695. O seu pai era um tal de Francisco Lourenço Rodrigues, cirurgião, e a mãe Maria Álvares. Um irmão, Bartolomeu Lourenço, viria como Alexandre a adoptar o apelido "de Gusmão". Distinguir-se-ia como o inventor da passarola, primeiro aeróstato funcional da História, e como um dos mais eminentes cientistas do seu tempo. Rica, pois, a contribuição desta humilde família de Santos para a glória de Portugal.
Estes Lourenço eram família de sangue indígena. Filhos de gente humilde, tanto Alexandre como Bartolomeu foram confiados aos cuidados dos padres da Companhia de Jesus, estudando nos colégios de Belém, na Bahia, e no das Artes, também na cidade. Foi do padre que deles mais se ocupou, um outro Alexandre de Gusmão, que Alexandre tomou o nome, e os restantes irmãos o apelido. Lá, nesse Brasil que a lenda anti-portuguesa afirma ter sido votado ao obscurantismo e à ignorância, Alexandre de Gusmão aprendeu o Latim, a Lógica, a Ética, a Retórica e a Filosofia - o trívio e o quadrívio jesuíticos que eram, naquele Colégio das Artes e nos incontáveis outros que Portugal havia feito pelo império, a base da educação. Seguiu depois para a Metrópole, juntando-se a Bartolomeu em Lisboa. Chegou à capital em 1710, com 15 anos.
É bem prova dos talentos de Alexandre de Gusmão que haja sido tão breve a sua permanência na capital. Cinco anos após a chegada à Metrópole, foi nomeado secretário da embaixada de Portugal ao Rei de França, então já o jovem Luís XV. Aproveitou Alexandre a oportunidade para prosseguir a sua educação, cursando Direito na Sorbonne de Paris. Regressou ao Reino em 1719, por altura do término da missão do embaixador Dom Luís Manuel da Câmara, e logo obteve cátedra em Coimbra. A intensidade da vida diplomática não lhe permite, contudo, grande tranquilidade: logo em 1720, envia-o Dom João V a Cambrai para que representasse o império português na conferência internacional que lá se realizava. Seguiu dali para Roma, desta vez como embaixador de Portugal junto da Santa Sé. O seu génio brilhou também junto do Santo Padre, que o terá convidado a abandonar o serviço do Rei de Portugal e a juntar-se à corte papal. Sempre fiel, Gusmão recusou a gentileza do Pontífice. Regressou, pois, a Lisboa.
Em 1734, Alexandre de Gusmão tornou-se responsável por toda a matéria atinente ao Estado do Brasil na Secretaria de Estado, departamento governamental semelhante à actual Presidência do Conselho de Ministros. Já em 1740, atinge o pco da carreira, tornando-se Escrivão da Puridade, ou secretário pessoal do Rei Dom João V. A sua influência torna-se comparável à do primeiro-ministro, o Cardeal da Mota, e cresce mais ainda em 1742, quando o Rei o faz membro do Conselho Ultramarino. É como um dos chefes da diplomacia que Gusmão conseguirá para Portugal o Tratado de Madrid, maior conquista da sua longa vida de serviço público e imensa vitória de Portugal frente à Espanha. Resultará do Tratado de Madrid a definição da fronteira do Estado do Brasil. Os limites então acordados são, no essencial, os da República Federativa do Brasil, que pode bem agradecer a sua hodierna extensão a este seu filho notável.
Morto o Rei Dom João V, Alexandre de Gusmão acabou vítima das conspirações de corte que sempre envolvem os actos de sucessão. Foi prontamente afastado das suas funções pelo novo rei, Dom José I, passando Sebastião José de Carvalho e Melo, depois Marquês de Pombal, a coordenar a política externa do império. O ilustre diplomata morreria em 1753. Mas, vitimado embora pelos ardis da política, Gusmão não saiu de cena sem reconhecimento do país. O próprio Carvalho e Melo, seu adversário, era igualmente admirador do genial estadista. Sobre a fértil parceria entre Gusmão e Dom João V, diria o futuro Pombal que "Sua Majestade D. João V não distingue seus vassalos pela cor; distingue-os pela inteligência." Sem dúvida, foi assim com o Rei Magnânimo e o seu hábil ministro, não deixando a espantosa carreira de Gusmão de ser prova da excepcionalidade da relação portuguesa com a diversidade humana.
RPB
Comentários
Muito interessante!
Muito bom Julinho.