O poder naval do Portugal de Quinhentos: ascensão e queda da primeira potência marítima mundial da H

O poder naval do Portugal de Quinhentos: ascensão e queda da primeira potência marítima mundial da História
Em tese que contrastou de modo claro com a anteriormente formulada por Alfred Thayer Mahan, inaugurador da noção de "poder naval", George Modelski e William Thompson propuseram Portugal, a Holanda, a Inglaterra e os Estados Unidos, por sucessão, como únicas potências mundiais de base marítima desde o século XV. Essa divisão é relevante por duas ordens de motivos: por um lado, porque respeita, respalda e perpetua a negação, existente já na obra de Mahan, do papel da Espanha como superpotência talassocrática, isto é, do mar; por outro, porque inova no reconhecimento de Portugal, justamente, como primeiro poder marítimo de destaque, influência e capacidade de acção realmente universais. Essa aceitação de Portugal como primeira superpotência naval da História mundial diverge do "protestantismo operativo" - isto é, o enviesamento anti-católico e, em consequência disso, anti-ibérico - de Mahan.
De que modo pode, contudo, atribuir-se a Portugal o papel de superpotência naval nos séculos XV e XVI - e, depois disso, decerto de grande potência - quando se o nega à Espanha? Trata-se de problema cuja resolução não é evidente, uma vez que a verdade é que não abundam no século XVI português enfrentamentos navais com outras marinhas europeias - e, assim, a comprovação concreta da superioridade naval dos portugueses sobre os seus adversários marítimos imediatos (1). Todavia, a discussão do poder naval dispensa, pelo menos até certo ponto, essa contabilização simples de triunfos guerreiros. No século XVI, e até ao final da centúria, Portugal é chefe incontestado do mar: por altura da expedição de Filipe I de Portugal e II de Espanha à Inglaterra, operação a que a História viria a chamar "Invencível Armada", as forças navais ao dispor de Lisboa no Atlântico eram claramente superiores às da Coroa de Castela - por esse preciso motivo, Portugal foi o participante destacado do ataque a Isabel I, embora, curiosamente, não haja sido o principal perdedor com o malogro da frota. Para fazer prova disso bastará consultar lista dos meios marítimos destacados por cada uma das coroas pertencentes à Monarquia dos Habsburgos, do que se retirará que os de Portugal foram superiores aos de qualquer outros dos reinos dos Áustrias - e quase duas vezes mais numerosos que os de Castela.
Grande potência terrestre, o império que Carlos V construiu - e que veio depois a comandar-se do Escorial - era inquestionavelmente a primeira potência europeia de então. Não era, porém, claramente superior a Portugal no mar para lá da costa europeia: o que este conquistava nas ondas, garantiam os espanhóis com os seus tercios em terra. Crucialmente, ainda, e seguindo a avaliação de Thompson e Modelski, não poderá dizer-se da Espanha que tenha sido em momento algum uma superpotência naval mundial excepto, talvez, quando nela se integrou Portugal. De facto, se o poder naval se mede em número de navios, apetrechamento e qualidade das tripulações, nele surge como característica de relevância ainda maior a realidade logística, a rede de bases, o controlo de pontos estratégicos e de rotas de navegação. Se no primeiro grupo de categorias a Espanha foi potência dominante com Portugal e, talvez, com a Inglaterra, nem ingleses nem espanhóis puderam sequer aproximar-se de Lisboa no segundo. A Inglaterra do século XVI possui forte braço naval, mas concentrado unicamente no norte da Europa; a Espanha tem-no também, e mais musculoso que Londres, mas de amplitude meramente regional. Hegemónicos nas Caraíbas, de fraca presença na Ásia através das Filipinas, os espanhóis dividem o controlo do Atlântico Central e de boa parte da costa americana com Lisboa. Este, pelo contrário, está presente em toda a parte, e em toda a parte constrói incomparável rede de fortalezas portuárias - precursoras simples das bases navais dos nossos dias - inexpugnáveis se assentes na superioridade marítima que Portugal manteve até à chegada de ingleses e holandeses ao Índico. À frota Hasburgo - que era regional, porque quase integralmente destinada à preservação do império europeu da dinastia - respondia a portuguesa com presença mundial e superioridade clara da costa brasileira ao Japão.
Importante e revolucionária é, ainda, a tese de Modelski e Thompson por outro motivo. Os dois teóricos do poder naval não se limitam a reconhecer Portugal como superpotência marítima entre outras; percebem-no, como de início se mostrava, como a primeira nação a adquirir esse estatuto. As velas de Portugal descobriram e conquistaram os mares de leste a oeste, e fizeram-no antes de qualquer outro Estado o fazer e antes de qualquer força impor domínio simultâneo sobre grande parte dos oceanos do mundo. Desse modo, estabeleceram o padrão e a receita da obtenção, projecção e manutenção de poder hegemónico nas ondas: o controlo de largas extensões marítimas através da posse de pontos estratégicos solidamente protegidos numa rede mundial e interdependente de pontos - portos e fortalezas - para projecção de força. Embora radicalmente distintos do português nas suas motivações ideológicas e restante modo de operar, os impérios marítimos que se seguiram ao de Portugal - o holandês, o britânico, o norte-americano - tiveram com ele parecenças óbvias nos modos encontrados de imposição e disseminação da sua influência marítima. Não há, pois, exagero em ver nos edificadores do império dos portugueses no oriente - Manuel I, Francisco de Almeida, Afonso de Albuquerque - teorizadores, também, de um modo novo de fazer Estados e estabelecer, fortalecer e preservar impérios.
RPB
(1) Referimo-nos aos Estados europeus vizinhos da metrópole portuguesa. No Índico, foi frequente a prova da absoluta superioridade da carraca lusa. Na obra seminal "Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa", Armando da Silva Saturnino Monteiro contabiliza para cima de quatrocentos (424) enfrentamentos marítimos entre as forças de Portugal e as dos seus adversários ao longo do século XVI, a larga maioria dos quais no Índico.

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